A gente cabe, mas se esquece | Grupo Primitivos de Teatro (MT)
- Thairo Meneghetti
- 8 de jun. de 2024
- 3 min de leitura
Texto por Everton Britto com colaboração de Leandro Brito | Revisão por Andreza Pereira | Fotografia por Fred Gustavos.

O Grupo Primitivos entra em cena para encerrar a noite do sexto dia do XII Festival de Teatro Velha Joana com o espetáculo A gente cabe, mas se esquece. Entramos no Centro Cultural, e o palco está tomado por jovens artistas, que demonstram tristeza através da expressão corporal. Compondo a cenografia, dois praticáveis, que tiveram diversos usos e significados durante a apresentação, de palco à mesa de jantar.
Uma impactante imagem cênica é construída pelos artistas com sacos plásticos em suas cabeças e movimentos lentos: vão retirando-se vagarosamente, sufocando-se até o palco ficar quase vazio. Os jovens corpos dançam suas dores, depressões e medos. A cena dói, é feita com muita sinceridade, e o que vemos é a pulsão dos atores. Eles sabem do que estão falando e o quanto é importante falarmos disso nos dias caóticos em que vivemos.
Um microfone é colocado no centro do palco, e a atriz Isabela Cassimiro compartilha com o público um depoimento sobre os bullyings sofridos na escola; fala da relação com o seu corpo, peso e o quanto isso a machuca. No decorrer do relato, ouvimos vários insultos vindos do resto do elenco, que acontecem num crescente, trazendo à tona uma série de preconceitos que fazem parte da exigência de um corpo perfeito e, antes de mais nada, magro.
O discurso da atriz se mantém sereno até o fim, e essa fala ganha expressão, em uma movimentação que remete ao carinho feito no próprio corpo, independente dos insultos. Ela se abraça, se acaricia e resiste num lindo movimento de amor próprio.
A ação é muito simples, mas transborda. Os demais atores, aos poucos, vão saindo do lugar de preconceito, e empatia e amor vão tomando conta de todos. Percebemos que a catarse se espalha pela plateia, pois vários olhos estão marejados, a respiração em suspenso e há suspiros de nó na garganta.
No desenrolar das ações, os artistas falam ainda de preconceito aos negros, aos gays e às mulheres. Para encerrar, vemos os praticáveis virarem uma imensa mesa de jantar, vários tipos de comida aparecem e famintos, eles começam a devorar o banquete. O elenco se entope de comida, cada vez mais esfomeados, fazendo uma grande bagunça. Misturam-se sabores, a comida cai, a performatividade da cena extravasa os limites do palco. Nós, que estamos do lado de cá, em algum momento nos sentimos do lado de lá, junto com os atores, sentindo os sabores, escorregando com os restos de comida, que caem, rindo, brincando, se divertindo.Essa comunhão, que transborda as fronteiras da cena, dialoga com o que Antonin Artaud (1938, p. 24) diz em seu livro O Teatro e seu duplo: “O teatro reencontra a noção das figuras e dos símbolos-tipos, que agem como se fossem pausas, sinais de suspensão, paradas cardíacas, acessos de humor, acessos inflamatórios de imagens em nossas cabeças bruscamente despertadas; o teatro nos restitui todos os conflitos em nós adormecidos com todas as suas forças, e ele dá a essas forças nomes que saudamos como se fossem símbolos: e diante de nós trava-se então uma batalha de símbolos, lançados uns contra os outros num pisoteamento impossível; pois só pode haver teatro a partir do momento em que realmente começa o impossível e em que a poesia que acontece em cena alimenta e aquece símbolos realizados.” Assim, o Grupo Primitivos arranca aplausos efusivos dos espectadores, que têm a certeza de terem vivido uma experiência singular.
Texto escrito a partir da programação do XII Festival Velha Joana, em Primavera do Leste (MT), no período de 01 a 11 de novembro de 2018.
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