“Alice” Teatro Faces Jovem (MT)
- Thairo Meneghetti
- 8 de jun. de 2024
- 3 min de leitura
Texto por Thereza Helena | Fotografia por Fred Gustavos.

Quando saio de casa para ir assistir um espetáculo, já no percurso fico pensando na peça que vou ver, nas pessoas que vou encontrar, se vai ser de sentar no chão ou na cadeira e bem sinceramente nos motores que naquele dia me fizeram trocar a Netflix pelo teatro. É como se a experiência de ir ao teatro já começasse antes mesmo do espetáculo.
Tratando-se do Festival Velha Joana, a experiência começa logo na saída de Cuiabá e pelos 200 quilômetros percorridos até Primavera do Leste seguem comigo na estrada um misto expectativa pela ansiedade em que me pego tentando antever os trabalhos que poderei assistir e satisfação por poder compartilhar de perto o sucesso dessa ação importantíssima pelo meu segundo ano consecutivo.
Nesta 12a edição, numa programação com mais de 62 produções vindas de Mato Grosso e outros estados brasileiros, chamo atenção para o espetáculo “Alice”, do grupo Faces Jovem, segunda geração do Teatro Faces (Primavera do Leste- MT). Foi a terceira vez que vi Alice e confesso que não fossem as outras duas, talvez eu não me lançasse na tentativa de elaborar em palavras, parte dos afetos disparados por esse trabalho que julgo ser mais do que nunca urgente.
Como nas outras duas vezes, me emocionei muito com a história de Fernando e seus enfrentamentos diários pelo desejo de poder ser quem ele é. No espetáculo, o estudante de ensino médio é reprimido por seus colegas e professores justamente no ambiente em que deveria poder se sentir à vontade e seguro: a escola.
Na montagem, atrizes e atores compartilham não só a faixa etária das personagens que interpretam, mas também alguns conflitos semelhantes. Nesse aspecto, a dramaturgia desenvolve um papel fundamental ao considerar relatos de experiências vividas pelo elenco e colocar em cena não só o tema, mas a forma de abordá-lo. Com isso, ao mesmo tempo que corrobora a legitimidade do trabalho, favorece condições para que jovens falem com jovens como jovens, sobre as questões mais sensíveis que os aflige. Tudo isso com autenticidade e livre de maneirismos.
Embora, nesse aspecto esteja chamando atenção para o que é dito em cena, em “Alice” parecem operar além dessa, camadas dramatúrgicas que extrapolam a composição do texto. Pois em casos como esses em que material e obra se confundem, a relação entre arte e vida se estreita, de modo que junto com os jovens artistas e seus hormônios, parecem estar nossos corpos também em ebulição.
São corpos pulsantes, vibráteis. Corpos que se colocam em cena com a emergência das forças que falam neles. É vibração pura, pulso junto e não sou a única. A participação efusiva da plateia que grita, torce e ri junto com a cena não me deixa mentir. A cada fala, extraídas, muitas vezes de um cotidiano no qual a opressão insiste em soar familiar, vazam narrativas de enfrentamentos que abrem espaço pelas suas bocas, atravessam a cena e deságuam nos meus olhos. Incapaz de me conter, derramo também. Deixo minha emoção se encontrar com a emoção de toda plateia, porque tanta emoção assim junta pode arrebentar as paredes do teatro e inundar a cidade inteira com a coragem de se ocupar da própria existência como condição para a vida no mundo.
Do lado de fora da sala, um número de pessoas igual ao que estava na plateia aguardava o fim da apresentação. Mesmo sabendo que não entraria para assistir, o grupo esperava para cumprimentar os atores ao final da peça. Mais que o desejo de estar próximo aos artistas, aquele encontro parecia um gesto de cumplicidade de quem sabe que findo o show, o ciclo só se fecha e renova depois que os atores e atrizes, antes em cena, retomam seus papéis de amigos, amigas, filhas, filhos, colegas de escola e no abraço dos seus, se enchem de forças para continuar nesse exercício laborioso de produzir afetos que a arte favorece. Uma prática do compromisso real: ninguém vai soltar a mão de ninguém.
Texto escrito para o site Parágrafo Cerrado a partir da programação do XII Festival Velha Joana, em Primavera do Leste (MT), no período de 01 a 11 de novembro de 2018.
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