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O Acordo — Faces Jovem (Primavera do Leste - MT)

 

Texto por Wuldson Marcelo | Revisão por Santiago Santos | Fotografias por Fred Gustavos




Os estudantes e os estudantes entram na sala de aula, muitas vozes, um pouco de bagunça. Um dia comum, como todos os outros. O último a atravessar a porta, e completar o grupo, é o líder da turma. O jovem traz a notícia de que o professor está ausente e que a ordem da coordenação da escola é de que a turma não deixe o recinto.

Esse mote desencadeia um acalorado debate, pois é uma determinação que chega sem uma explicação. Os 50 minutos em que devem permanecer em classe se torna uma divisão clara entre sair e ficar, sendo que sair representa a liberdade e o senso de transgressão, e ficar a disciplina e a manutenção do status quo. Contestação versus obediência. Enfrentamento próprio da adolescência que o Faces Jovem explora com desenvoltura.

Catorze atores formam a turma de alunos. Sete decididos a sair da sua aula e quebrar a regra. Porém não por ser uma regra, mas pelo direito de questioná-la. Cinco defendem a permanência no espaço de ensino, já que, para eles, partir é simplesmente um gesto de rebeldia sem sentido. Aos poucos, a discussão desloca o seu centro dos atos de movimento e imobilidade para as diferenças ideológicas e de comportamento entre os alunos. E é uma transição realizada com inteligência, pois além de possuir uma dramaturgia forte, “O Acordo” conta com atuações altamente elogiáveis. O texto é atual e relevante, com foco no momento político-social do país, no qual amigos se desconhecem a partir de suas visões de mundo ou mesmo partidárias.

Em certo sentido, há o espírito de “O Anjo Exterminador” (1962) de Luis Buñuel na encenação das atrizes e atores do Faces Jovem. Um grupo de pessoas que não consegue sair de uma mansão após uma festa e a dilaceração da boa conduta da elite mexicana não demora a acontecer. Ou mesmo de outro filme, do francês “Entre os Muros da Escola” (2008) de Laurent Cantet, que escancara as diferenças culturais e sociais entre o alunado formado por nativos e imigrantes. O interessante em “O Acordo”, para além da leitura que faz do Brasil pós-eleição de 2018 (na verdade, da nação que emergiu das manifestações de 2015), é que sua dramaturgia é originária das conversas e jogos de cena durante os ensaios e da vivência e entendimento das situações política e relacional de seu próprio elenco.

Afeto é uma palavra chave em “O Acordo”, pois que o conflito é necessário, porém sem perder de vista que transformar o mundo, torná-lo mais justo ao combater o ódio, é um exercício de convencimento conciliado ao respeito e ao não aniquilamento do outro, mesmo que não possamos mais marchar ao seu lado.

Em um tempo em que progressistas (na peça, “turma da lacração”) e conservadores se digladiam, um espetáculo como “O Acordo”, que expõe essas fraturas e a densidade da oposição de pensamentos — usando um espaço exíguo, mas rico em diversidade, que é uma sala de aula —, revela a força do teatro como potência desveladora dos mecanismos de controle e das formas de confrontá-los.


*Este texto faz parte da cobertura especial do XIII Festival Velha Joana, realizado em Primavera do Leste (MT) entre 08 e 17 de novembro de 2019, para o qual o Parágafo Cerrado foi convidado. 




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