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O Beijo da Lua e da Vitória-Régia — Grupo Primitivos (Primavera do Leste - MT)

 

Texto por Wuldson Marcelo | Revisão por Santiago Santos | Fotografias por Fred Gustavos




Concorrente na Mostra Oficial — categoria juvenil/adulto, “O Beijo da Lua e da Vitória-Régia”, encenação do Grupo Primitivos, de Primavera do Leste, revela, no âmbito extra palco, como a colaboração coletiva torna o processo mais orgânico. Ao sabermos da ativa participação do elenco na construção cênica, fica evidente de qual fonte brota a naturalidade e de que maneira a fantasia ganha forma e credibilidade.

Baseada na lenda tupi-guarani da vitória-régia e do surgimento do rio Amazonas, com dramaturgia e direção de Wanderson Lana, a peça estrutura-se em elementos que ressoam forte no público, convocando sua empatia e imersão na história. O poder da imaginação, a brasilidade — por intermédio do folclore — e o amor impossibilitado pelo destino ou por nossos desideratos são componentes atrativos que se costuram à narrativa.

A história também nos é contada pelo corpo, já que a dança impulsiona Naiá, com o hip hop e outros movimentos de música urbana. Esse gesto amplia a vitalidade da personagem, mais afirmativa que trágica (diferindo-se da Naiá da lenda). Já o coro que acompanha Jaci performa também através de coreografias bem marcadas.

Ainda sobre a presença da dança, pode-se destacar a interação do elenco com os andaimes, que, para além da função cenográfica — um ponto forte é a organização do espaço das ações dramáticas —, movem-se em um ritmo musical a cada troca de ambiente.

Outro aspecto a se destacar é a relação entre Naiá e Jaci, que levam um tempo para se encontrar, porém logo se vinculam pela oposição de suas personalidades, cruzadas pela obstinação de cada um. Diferentes, pois Naiá é arteira, dança e expressa seus sentimentos, enquanto Jaci é determinado no desejo de cumprir seu destino e não sorri nunca. Nesse sentido, o sorriso passa a ser o despertar para a vida e um amálgama das almas dos amantes.

“O Beijo da Lua e da Vitória-Régia” tem como protagonistas Naiá, a guerreira indígena (interpretada com vivacidade por Gabi Batista), que aguarda ansiosamente chegar a maioridade para ganhar o mundo e conhecer todas as coisas, e Jaci (Rodsley Gomes, que impressiona com um misto de determinação e fragilidade), que vive a se projetar para além-terra, esperando o dia que poderá ocupar seu lugar no céu, no espaço reservado à Lua.

A história transcorre em uma cidade devastada pela ação humana. Desmatamento, poluição e caos urbano: é nesse cenário que Naiá conversa e é protegida por seus amigos Coruja, Onça-pintada e Bem-te-vi. O espetáculo recorda-nos o quanto a fauna e a flora sofrem com a intervenção (brutal) do homo sapiens. De instante em instante, somos informados da morte de algum animal ou de uma área verde devastada. Um apontamento pertinente que confere ao texto a sua atualidade.

Há também humor no espetáculo, principalmente representado pela personagem Coruja, que nos brinda com a verve cômica de Raquel Santos. Afinal, lendas geralmente são enviesadas por um tom melancólico, por vezes trágico.

A história de Naiá e Jaci é a fusão de duas lendas amazônicas, com um impacto visual admirável, que nos revela as histórias de amor do folclore de um Brasil que precisa se conhecer e se estimar mais.


*Este texto faz parte da cobertura especial do XIII Festival Velha Joana, realizado em Primavera do Leste (MT) entre 08 e 17 de novembro de 2019, para o qual o Parágrafo Cerrado foi convidado. 

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